Europa deve ser mais ambiciosa na proteção dos adultos vulneráveis
É preciso avançar com soluções que assegurem que os adultos vulneráveis possam exercer os seus direitos e ter pleno acesso à Justiça na União Europeia, independentemente do lugar e do Estado onde se encontrem, sublinhou a Ministra da Justiça.
Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem - Créditos: João Bica
O caminho e os objetivos a delinear para a construção de uma estratégia eficaz de proteção e de promoção da participação ativa dos adultos vulneráveis, numa Europa aberta, deve passar por soluções que assegurem que estas pessoas possam exercer os seus direitos, defender os seus interesses e ter um pleno acesso à Justiça, independentemente do lugar e do Estado em que se encontrem, referiu a Ministra da Justiça, que encerrou a Conferência de Alto Nível sobre a Proteção de Adultos Vulneráveis na Europa - o Caminho a Seguir, que decorreu esta terça-feira, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia.
Francisca Van Dunem ressalvou que, no plano civil, não existe um instrumento legal europeu comum e uniformemente aplicável, nem regras mínimas comuns aplicáveis na União Europeia, e as medidas existentes a nível nacional dos Estados-membros são insuficientes para dar resposta às questões relacionadas com o quotidiano dos adultos vulneráveis em situações transfronteiriças, levantando-se, por exemplo, dúvidas quanto à legislação a aplicar ou à sua representação e à amplitude dos respetivos poderes.
“Nestas circunstâncias, cremos ser importante dispor de medidas uniformes e claras, facilmente reconhecíveis em todos os Estados-membros, que assegurem a proteção dos adultos vulneráveis e do seu património”, afirmou a Ministra da Justiça.
A Convenção da Haia, de 2000, relativa à Proteção Internacional de Adultos tem um papel inegável neste processo, no entanto, apenas um terço dos Estados-membros da União Europeia a ratificaram.
O debate de hoje demonstrou que a adesão de todos os Estados-membros a esta Convenção permitiria assegurar um quadro jurídico uniforme, na opinião da Ministra da Justiça, com recurso a estruturas já existentes e com rentabilização de esforços e de resultados, colmatando as insuficiências e superando obstáculos substanciais ao exercício de direitos.
As intervenções feitas durante a Conferência de Alto Nível demonstraram igualmente que a União Europeia pode e deve ser mais ambiciosa. “Embora seja importante recolher a experiência e avaliar os resultados da aplicação da Convenção, devemos ambicionar ir mais longe”, sublinhou Francisca Van Dunem. “A Comissão Europeia disse-nos estar empenhada na análise das possíveis vias a seguir e o Conselho mantém-se expectante quanto aos resultados deste exercício”.
Realidades distintas para uma mesma dimensão
Falar de adultos vulneráveis não implica somente uma dimensão civil, importando ter também presente a dimensão penal. A Ministra da Justiça considera que a Conferência permitiu olhar para duas realidades distintas no contexto do processo penal, a do adulto vulnerável enquanto suspeito, testemunha ou arguido e a do adulto vulnerável enquanto vítima de um crime. “São duas realidades que merecem um olhar atento ao nível europeu, porquanto estão em causa, na maioria das vezes, direitos fundamentais”.
O atual quadro jurídico europeu no âmbito penal é mais detalhado do que aquele que existe no âmbito civil e, como tal, a intervenção a realizar implicará um menor trabalho de natureza legislativa, mais centrado em alguns reajustamentos, nas estruturas de apoio, na operacionalização e na otimização dos mecanismos existentes, referiu Francisca Van Dunem.
O roteiro para o reforço dos direitos processuais dos suspeitos ou acusados em processos penais, de 2009, constituiu um marco no reconhecimento da necessidade de se estabelecerem regras mínimas aplicáveis no processo penal nos diversos Estados-membros. Os instrumentos legislativos que vieram a concretizar o roteiro acautelaram, de alguma forma, a posição dos adultos vulneráveis.
“A revisitação deste roteiro e, particularmente, dos instrumentos que o concretizaram, tendo como objetivo a proteção dos adultos vulneráveis, enquanto pessoas que têm de alguma forma as suas capacidades diminuídas, afigura-se, pois, necessário”, defendeu a Ministra da Justiça.
A garantia da aplicação de cada uma das suas medidas, assegurando aos adultos vulneráveis, em situação de igualdade e independentemente do Estado-membro em que se encontrem, o acesso ao Direito e à Justiça, em particular a um processo justo e equitativo, no qual o exercício do direito de defesa não é afetado, “deve constituir uma prioridade da União Europeia”.
No quadro da proteção das vítimas, importa implementar a Estratégia Europeia sobre as Vítimas e garantir a plena aplicação da Diretiva 2012/29/UE, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade, bem como dos demais instrumentos que incluam disposições específicas sobre vítimas, como é o caso da designada Diretiva " Terrorismo" (Diretiva (UE) 2017/541).
“Mais do que legislar, como resultou da discussão, devemos procurar alcançar uma plena e eficaz aplicação do acervo legislativo existente e só depois aferir a eventual necessidade de colmatar alguma insuficiência que subsista ou de encontrar solução para problemas emergentes”.
Promover o exercício dos direitos
Uma outra conclusão a retirar da conferência, segundo a Ministra da Justiça, é a de que as medidas a adotar devem assentar na promoção do exercício dos direitos pelos adultos vulneráveis. “Estas pessoas devem ser vistas como cidadãos para os quais devem estar previstos mecanismos de apoio que permitam assegurar o acesso, sem constrangimentos, ao Direito e à Justiça, e, fundamentalmente, que assegurem o pleno gozo do estatuto da cidadania europeia”.
No plano civil, a adesão à Convenção da Haia deve assumir-se como um objetivo a alcançar, no sentido de permitir uma melhor proteção dos adultos vulneráveis no espaço da União Europeia.
“Garantir uma proteção alargada e sem exclusões, assegurando equivalente proteção dos direitos fundamentais de todas as pessoas, deve ser um objetivo comum a alcançar, sem esquecermos a proteção a dar às vítimas especialmente vulneráveis, como as mulheres e as crianças”, sublinhou Francisca Van Dunem.
Para a Ministra da Justiça, a Conferência de Alto Nível sobre a Proteção de Adultos Vulneráveis na Europa - o Caminho a Seguir permitiu uma ampla partilha de ideias, de boas práticas, de reflexões e de possíveis soluções. “A Presidência Portuguesa na área da Justiça não deixará de retirar as suas conclusões sobre as intervenções e as ideias emergentes desta conferência, que apresentará ao Conselho de Ministros da Justiça e Assuntos Internos do próximo mês de junho”.
Assista ou reveja a Conferência de Alto Nível sobre a Proteção de Adultos Vulneráveis na Europa - o Caminho a Seguir, na íntegra