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Declaração da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça

A Secretária de Estado Adjunta e da Justiça considera ultrajante e leviano que se pretenda insinuar a sua tolerância ou aceitação relativamente à violência doméstica.
07 mar 2025, 14:22
Ministério da Justiça. © Emerson Coutinho | StopMotion
Ministério da Justiça. © Emerson Coutinho | StopMotion

A TVI divulgou ontem, 6 de março de 2025, durante o Jornal Nacional das 20h, uma promoção a uma reportagem exclusiva a emitir no Jornal Nacional de hoje, 7 de março, anunciando:

“Em 2024 um pai foi absolvido por ter esbofeteado a filha de 4 anos. A sentença foi assinada pela juíza Clara Figueiredo que na altura ainda não era Secretária de Estado. A magistrada fechou o caso escrevendo que uma bofetada faz parte do dever de correção do pai. Amanhã no Jornal Nacional [no ecrã: em exclusivo].”

Uma vez que, antes mesmo de aguardar pelas respostas prometidas às duas questões enviadas pela TVI, esta promoção já indica o sentido, o tom e a conclusão da reportagem, esclarece-se o seguinte:

  1. O que a TVI anuncia como exclusivo foi noticiado em abril de 2024 pela SIC, pelo Jornal de Notícias e pelo Sapo 24.
  2. O acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido há um ano, está publicamente acessível na base de dados jurídica da DGSIA sua leitura fornece, de forma clara, e acessível mesmo a não juristas, toda a fundamentação da decisão do coletivo de três juízes desembargadores.
  3. Apesar de os juízes não poderem ser responsabilizados pelas suas decisões, assim se garantindo a sua independência e o dever de imparcialidade, essenciais ao Estado de Direito, a juíza desembargadora e relatora do processo, desempenha atualmente funções de Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, facto a que não é alheio o impacto que se pretende dar a uma notícia publicada há um ano.
  4. Nessa medida, e em síntese do que se escreve no acórdão, recorda-se que:
    1. O pai em causa foi absolvido da prática do crime de violência doméstica contra a filha por não se terem provados os factos em que se baseava a acusação. Condenar alguém sem provas, seja porque crime for, é a negação de um Estado de Direito.
    2. Foi, contudo, dado como provado que o pai deu uma bofetada à filha, por a criança ter atravessado a estrada a correr, sem cuidado, pondo em perigo a sua vida.
    3. O acórdão defende que, naquelas circunstâncias, esta conduta, bem como a de chamar “porca” à menor quando atirava comida para o ar ou se sujava (o que se não provou), podem ser questionáveis como método de educação e de pedagogia, como linguagem apropriada a uma criança, mas não configuram um crime.
    4. À luz da lei penal portuguesa, uma bofetada, desferida sem o propósito de molestar fisicamente, que não causou vermelhidão na face da criança, não provocou sequelas físicas ou psicológicas, que constituiu uma situação isolada e sem consequências para a menor não é um crime, podendo ser enquadrada no âmbito dos direitos/deveres de correção e de educação, independentemente da censura familiar, social ou pedagógica que possa ser feita sobre estes métodos correcionais.
  5. A Secretária de Estado Adjunta e da Justiça considera ultrajante e leviano que se pretenda insinuar a sua tolerância ou aceitação relativamente à violência doméstica. Não fosse, aliás, a seriedade e gravidade com que, enquanto juíza desembargadora e enquanto governante, encara o crime de violência doméstica, este esclarecimento seria supérfluo face ao teor acórdão, que se explica por si mesmo.
  • Assim as respostas às duas questões enviadas pela TVI são simples:
    • Tendo em conta que a legislação prevê a criminalização dos castigos corporais, porque é que um acórdão iliba um progenitor perante estes factos? 
      • Porque não foi provada a prática dos factos que integram o crime de violência doméstica contra a criança pelo qual o arguido havia sido condenado na sentença recorrida. 
    • Qual a posição do Ministério da Justiça perante uma decisão judicial que vai contra a legislação em vigor? 
      • O Ministério da Justiça não comenta decisões concretas dos tribunais nem a conclusão implícita nesta pergunta.

Ministério da Justiça