Potencial da digitalização na Justiça é inegável, mas traz desafios
A tecnologia e a inovação têm um potencial enorme para apoiar e melhorar o acesso à Justiça, mas também levantam alguns desafios. É necessário acautelar os direitos de todos, principalmente dos mais vulneráveis.
Ministra da Justiça durante a sessão de abertura da Conferência de Alto Nível e-Justice
Sistemas tecnologicamente mais equipados contribuem, definitivamente, para elevar a qualidade e a eficácia da Justiça e simplificar e reforçar o acesso ao direito, defendeu-se com unanimidade na sessão de abertura Conferência de Alto Nível e-Justice "Para uma justiça eletrónica centrada nas pessoas".
Será muito importante, no entanto, salvaguardar que o recurso às ferramentas informáticas resulta em maior inclusividade e não em menos, concordaram o Comissário Europeu da Justiça, Didier Reynders, a Ministra da Justiça de Portugal, Francisca Van Dunem, a Ministra da Justiça da Alemanha, Christine Lambrecht, e a Ministra da Justiça da Eslovénia, Lilijana Kozlovič, que abriram o encontro virtual, realizado entre hoje e amanhã, em formato digital, a partir de Lisboa, organizado pelo Ministério da Justiça, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia.
“A pergunta não é se precisamos de tecnologia. A pergunta é qual a melhor forma de utilizar a tecnologia de ir ao encontro das necessidades dos cidadãos e das empresas na área da justiça”, afirmou Didier Reynders, Comissário Europeu da Justiça.
“Ao concebermos, implementarmos e utilizarmos soluções informáticas temos de garantir que toda a gente tem igual acesso à Justiça. Temos de acautelar as necessidades das pessoas com deficiência, das vítimas, crianças e idosos”, referiu o Comissário Europeu da Justiça
Didier Reynders sublinhou que a utilização das ferramentas informáticas deve resultar em maior inclusividade e não menos. Uma das maiores preocupações no recurso às tecnologias deverá ser evitar o hiato digital. “Não basta apenas modernizar os sistemas de justiça. Temos de pensar como capacitar, educar, envolver e permitir que os cidadãos utilizem os instrumentos informáticos para que possam exercer os seus direitos”, defendeu Didier Reynders na sessão de abertura da Conferência de Alto Nível e-Justice.
Desafios aumentaram com a pandemia
A eclosão da pandemia da COVID-19 veio colocar sérios desafios ao funcionamento da justiça, mostrando as fragilidades dos sistemas tecnologicamente menos desenvolvidos, e confirmando a importância das tecnologias digitais para assegurar o acesso ininterrupto à Justiça e a necessidade de reforçar a sua robustez e resiliência, destacou a Ministra da Justiça de Portugal na sua intervenção.
“No setor da Justiça surgiram desafios particulares e transversais: assegurar que a atividade judicial não parasse completamente, respeitando as medidas sanitárias necessárias e garantindo a proteção dos direitos fundamentais; proteger a população prisional, evitando a propagação do vírus nas prisões; assegurar a proteção dos mais vulneráveis no acesso à justiça, apenas para citar alguns exemplos”, referiu Francisca Van Dunem na sessão de abertura da conferência e-Justice
Para a Ministra da Justiça nunca fez tanto sentido falar de digitalização e em aproveitar as possibilidades que nos são oferecidas pelas tecnologias inovadoras, como agora. A digitalização e o aprofundamento da interoperabilidade entre sistemas, e o correspondente aumento da rapidez e eficiência da cooperação judiciária transfronteiriça, seja penal ou civil, exige, todavia, e sem exceção, que todos os Estados-membros estejam em condições de participar e tirar partido destes benefícios. “Estamos cientes de que há ainda um caminho a percorrer e muitas questões a que temos de dar resposta”, afirmou Francisca Van Dunem.
Tal como a Ministra da Justiça de Portugal, Christine Lambrecht, Ministra da Justiça da Alemanha, também mencionou as consequências da COVID-19, considerando que o debate que há muitos anos gira em redor da justiça eletrónica acabou por provar o seu valor durante a crise pandémica. “A pandemia vai passar, mas as oportunidades criadas pelas tecnologias digitais permanecerão. Podemos melhorar consideravelmente a eficiência dos nossos sistemas judiciais e o acesso à justiça”, referiu.
A Ministra da Justiça da Alemanha apontou as maravilhas que as tecnologias emergentes podem trazer aos sistemas de justiça, mas também alertou para as consequências da sua má utilização.
“Os algoritmos, quando usados, não podem discriminar. O problema aqui reside, em primeiro lugar e acima de tudo, nos dados com que esses sistemas são alimentados. Frequentemente, esses dados são, eles próprios, produto de discriminação”, disse Christine Lambrecht
Para a Ministra da Justiça da Alemanha, a Justiça e o Estado de Direito devem evoluir com o tempo, mas progresso também significa responsabilidade. “O bom é que as mudanças que acompanham o progresso são administráveis. Ou nas palavras de Ada Lovelace: a máquina não é um ser pensante, mas simplesmente um autómato que age de acordo com as leis que lhe são impostas”.
Trabalho de digitalização em curso é para continuar
O processo de digitalização da Justiça no espaço europeu não é uma realidade nova. “Pelo menos desde 2007 que a Comissão e o Conselho da União Europeia, conscientes do importante papel das novas tecnologias para melhorar a eficiência, a qualidade e o acesso à justiça, têm vindo a trabalhar em estreita colaboração na área da digitalização”, lembrou a Ministra da Justiça de Portugal.
Francisca Van Dunem destacou que a transição digital é uma das grandes prioridades políticas na área da Justiça na União Europeia e que, ao assumir a Presidência do Conselho, Portugal não podia deixar de dar continuidade ao processo e de contribuir para reforçar a dinâmica da sua implementação.
“Sistemas nacionais tecnologicamente mais equipados, resistentes, rápidos, transparentes e inclusivos contribuem decididamente para elevar a qualidade e a eficácia da Justiça e simplificar e reforçar o acesso ao direito”, sublinhou a Ministra da Justiça
Lilijana Kozlovič, Ministra da Justiça da Eslovénia, garantiu que a digitalização da justiça será igualmente uma das principais prioridades da Presidência do Conselho Europeu daquele país, que começa em julho, sucedendo à Presidência de Portugal, atualmente em curso.
A responsável política sublinhou que a Eslovénia está empenhada em prosseguir e melhorar a trajetória iniciada pelas Presidências Alemã e Portuguesa, “que estabeleceram uma excelente base e marcaram, claramente, a continuação dos trabalhos na área da digitalização da justiça”.
Lilijana Kozlovič referiu que a importância da digitalização do sistema judicial é há muito considerada no seu país. “Percebemos que a digitalização do sistema de justiça proporciona e garante o rápido acesso à informação, bem como sua transparência e rastreabilidade”, afirmou, indicando que nos últimos tempos a Eslovénia tem vindo a implementar uma série de medidas e iniciativas para melhorar a eficiência e a qualidade da Justiça.
“Estamos convictos que precisamos de adotar todas as soluções técnicas e tecnológicas que possam reforçar a confiança no sistema de justiça e aumentar a possibilidade de alcançar um maior grau de cumprimento do Estado de Direito”, indicou Lilijana Kozlovič
Ao mesmo, a intenção na Eslovénia é assegurar “o respeito pelo direito à proteção judicial efetiva, o direito a uma justiça equitativa, à litigação e acesso adequado à informação e ferramentas associadas aos direitos e obrigações das pessoas, considerando todas as camadas da nossa sociedade, inclusive as mais vulneráveis”.
Uma ideia partilhada por Francisca Van Dunem que defende que deve continuar a ser feito o caminho da transformação digital nos Estados-membro, “para que, em conjunto, seja possível construir sistemas de justiça, centrados nas pessoas, onde vigore o princípio ‘digital por defeito’”.
A Ministra da Justiça acredita que Portugal está bem colocado para participar neste processo. “Temos vindo a assumir, interna e internacionalmente, o compromisso de modernizar a Justiça, também através da sua digitalização”, apontou. “A conferência que agora se inicia irá permitir-nos aprofundar a reflexão, identificar objetivos, partilhar experiências e conhecimento, e apontar soluções para darmos continuidade ao processo de transformação digital, que constitui um eixo fundamental da estratégia da governação para fortalecer a União, reforçando as bases e os valores partilhados em que assenta a construção europeia”.
Organizada pelo Ministério da Justiça, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, a Conferência de Alto Nível e-Justice “Para uma justiça eletrónica centrada nas pessoas” decorre entre 26 e 27 de abril.
A participação é aberta a todos, mediante inscrição prévia. Para mais informações ou inscrições aceda a https://eu2021.justica.gov.pt/Eventos/Conferencia-de-Alto-Nivel-Para-uma-justica-eletronica-centrada-nas-pessoas.
Conheça as prioridades da Justiça na Presidência Portuguesa em https://eu2021.justica.gov.pt.