Prisão perpétua não tem qualquer sentido positivo de reintegração
A Ministra da Justiça participou hoje num evento sobre “Prisão perpétua: sua crescente utilização em todo o mundo e possibilidades de reforma”, realizado à margem do 14.º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e a Justiça Penal.
Francisca Van Dunem recordou que a prisão perpétua foi abolida em Portugal em 1884, após a abolição da pena de morte em 1852 por crimes políticos e em 1867 por crimes comuns, e que, com a Constituição de 1822, teve início a abolição de todas as sanções consideradas cruéis.
Com a Constituição de 1976, adotada após a queda de uma longa ditadura, ficou claro no seu artigo 1.º que Portugal é uma República soberana baseada na dignidade da pessoa humana, que deve ser respeitada e protegida. Este princípio constitucional impõe a proibição da pena de morte, da prisão perpétua, da tortura e maus tratos e de penas desumanas ou degradantes, da escravatura e do trabalho forçado.
É também a dignidade da pessoa humana que está subjacente aos princípios fundamentais do direito penal, que justificam a aplicação de sanções, tais como os princípios da prevenção criminal, da proporcionalidade, da culpa e da ressocialização dos infratores. Neste contexto, afirmou a Ministra da Justiça, a Constituição proíbe expressamente sanções de duração vitalícia, ilimitada ou indefinida.
Ao impor um limite máximo de 25 anos na sentença condenatória, a Constituição visa assegurar uma oportunidade de reinserção após o cumprimento da pena.
A pena perpétua privaria o condenado de qualquer esperança de integração futura na sociedade, constituindo uma punição desnecessária, representando, nesta perspetiva, uma violação da dignidade humana protegida pela Constituição.
Ao mesmo tempo, a imposição de penas excessivamente longas deve ser objeto de reflexão, uma vez que tais penas levam a que os condenados deixem a prisão numa idade avançada, estigmatizados pela sociedade e sem qualquer possibilidade de reinserção.
Nos últimos anos, assistimos a tendências que advogam um aumento geral da duração das sanções penais e a introdução da prisão perpétua, como resposta ao crescimento de vários tipos de crime, afirmou Francisca Van Dunem, referindo que esta questão surge de tempos a tempos em Portugal, impulsionada por discursos populistas em torno da segurança, amplificados nas redes sociais e que encontram no endurecimento da resposta do Estado a solução para as crises económicas e sociais, agravada agora com a pandemia da COVID-19. É assunto que não está na agenda do Governo, concluiu.
Organizado pela Penal Reform International, o evento abordou as razões do aumento da prisão perpétua a nível internacional, os desafios existentes para a proteção dos direitos humanos e a possibilidade de reforma dos sistemas de justiça criminal. Foi copatrocinado por Portugal, Áustria, Escritório das Nações Unidas para as Drogas e o Crime (UNODC), Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos ((OHCHR), Universidade de Nottingham, American Civil Liberties Union, Howard League for Penal Reform e Japan Federation of Bar Associations.
Veja a intervenção completa da Ministra da Justiça: