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Véu islâmico em debate com SE Adjunta e da Justiça

Helena Mesquita Ribeiro desmistifica sete preconceitos culturais europeus que dificultam uma visão equilibrada acerca das opções religiosas dos outros.
27 set 2017, 09:43
Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro
Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro

A sessão de abertura da conferência "Liberdade religiosa e vivência em sociedade plural", que decorreu hoje, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, organizada pela Comissão da Liberdade Religiosa e pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, ficou marcada pela intervenção da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça (SEAJ).

Num discurso acutilante e provocador, Helena Mesquita Ribeiro, elegendo como mote dois recentes acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), convidou os participantes a olharem para si mesmos antes de julgarem o Outro, pois, embora discussões como essa só sejam possíveis porque vivemos numa “sociedade pluralista, democrática, que respeita o direito à diferença”, tal não significa que estejamos “a salvo de nos deixarmos permear por enviesamentos culturais”, afirma a governante.

Helena Mesquita Ribeiro elenca sete preconceitos, ou “pontos de partida” culturais, que definem aquilo que para nós é “normal” e que, muitas vezes, dificultam uma análise equilibrada da questão do véu islâmico, ou hijab.

Como primeiro ponto de partida, refere a aversão do Cristianismo à exteriorização do sentimento religioso, que remonta ao Novo Testamento.

O segundo ponto reside na tendência, cada vez mais generalizada nos tempos contemporâneos, para uma religiosidade não-praticante e para uma espiritualidade interiorizada e individual, que prescinde de uma vertente social e comunitária visível, em contraste com o véu islâmico e com outras manifestações exteriores comuns no seio de tradições religiosas diferentes.

O terceiro aspeto da cultura ocidental que explica a particular estranheza com que são encaradas certas manifestações religiosas ao nível da indumentária tem que ver com a disseminação massiva de padrões da moda, aos quais são estranhas as ideias de piedade e modéstia que explicam o véu. 

Helena Mesquita Ribeiro adverte ainda contra aquilo a que chama “feminismo paternalista”: “defender a liberdade das mulheres impondo-lhes a nossa própria conceção daquilo que é ser livre não deixa de ser uma curiosa estratégia de prossecução da igualdade de género”, defende a governante. Se não é correto presumir que toda a mulher que usa hijab o faz sob coação, proibir o véu no espaço público equivale, nas palavras da SEAJ, a permitir que essa subjugação, nos casos em que efetivamente exista, “continue a praticar-se no recato do lar, longe da sensibilidade do público, mas também longe dos olhares das autoridades, ao mesmo tempo que, na prática, priva essas mulheres do acesso àqueles que poderiam ser os melhores veículos para a sua emancipação – a escolaridade, o emprego, a participação no espaço público”. 

O quinto aspeto suscetível de introduzir um enviesamento cultural na análise reside numa conceção autoritária e ativista da laicidade do Estado, que em muito ultrapassa a simples igualdade de posicionamento do poder público face a todas as confissões religiosas e a renúncia do Estado a intrometer-se em questões de fé.

O sexto ponto centra-se na tendência uniformizadora de algumas empresas, que com a ânsia de impor uma imagem e uma cultura corporativa coerentes, acabam por negar, na prática, a tão apregoada “diversidade” (sintomaticamente, os dois acórdãos do TJUE analisados na conferência diziam justamente respeito a despedimento de trabalhadoras por usarem o véu islâmico no exercício das suas funções).

O sétimo e último “ponto de partida” tem que ver com o hábito de se encarar estas questões como meros conflitos entre privados – a empresa e o trabalhador.

Sublinhando que o simplismo pode abrir precedentes indesejáveis, Helena Mesquita Ribeiro acredita que é preciso haver um equilíbrio entre as liberdades e direitos do empregador e as liberdades e direitos do empregado.

Helena Mesquita Ribeiro terminou frisando que quem pretenda debater a questão do véu de uma forma séria e equilibrada deve reconhecer este sete preconceitos enraizados na nossa cultura, que condicionam a forma como vemos o Outro, “para que não venhamos a cair na tentação de confundir o normal com normativo, o habitual com obrigatório”.

Ministério da Justiça