ENCC 2020-2024: Prioridade à prevenção sem ignorar ação repressiva
Portugal continua a necessitar de uma ação transformadora capaz de gerar uma sociedade hostil à corrupção e capacitada para a enfrentar. A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção pretende concretizar esse desígnio, sublinhou a Ministra da Justiça.
Falando na sessão de encerramento da conferência de balanço final da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, a Ministra da Justiça destacou, que o documento “prioriza uma abordagem preventiva, configurando a repressão como ultima ratio”, mas não ignora, “nem poderia fazê-lo”, as necessidades de intervenção na dimensão repressiva, “nomeadamente, pelo efeito preventivo que resulta de um sistema penal eficaz e pelo que as investigações nesta área, normalmente com grande repercussão mediática, influenciam a perceção sobre o fenómeno”.
Francisca Van Dunem admitiu que a Estratégia encerra em si o “pecado” de ter sido preparada por juristas, mas o diálogo com outras áreas, possível graças ao processo de consulta pública, demonstrou a necessidade considerar novas perspetivas e outros ângulos de abordagem e ferramentas de avaliação.
“O compromisso que assumimos é o de procurar, com a vossa preciosa ajuda, pôr todas as nossas capacidades ao serviço de uma visão mais abrangente e integradora de todas as perspetivas de análise dos problemas com que o enfrentamento dos fenómenos corruptivos nos confronta”
Apesar das sucessivas intervenções dos últimos anos, tanto no plano normativo como nas dimensões de organização e de meios, a Ministra da Justiça ressalvou que permanece “a ausência de uma linha de ação coordenada, coerente e consistente”, que envolva tanto a dimensão preventiva como a repressiva e potencie sinergias, garantindo um melhor conhecimento e aproveitamento dos meios disponíveis e assegurando a produção de informação “quantificada, qualificada e atualizada”.
Em suma, “continua patente a necessidade de uma ação transformadora capaz de gerar uma sociedade hostil à corrupção e capacitada para a enfrentar com efetividade. A estratégia pretende ser o instrumento de realização desse desígnio”, defendeu Francisca Van Dunem.
ENCC “participada, séria e efetiva”
A conferência de balanço encerra um ciclo de construção de uma estratégia nacional anticorrupção, “que se pretende participada, séria e efetiva”, referiu a Ministra da Justiça, mas é apenas uma fase, “já que o processo prosseguirá com a apreciação parlamentar das propostas do Governo”.
Os vários contributos recebidos ao longo do período de consulta pública, e que foram apresentados durante a conferência, demonstraram o interesse e a apreensão com que a sociedade portuguesa encara o tema e reforçaram “o convencimento da necessidade de agir, com rapidez, mas sobretudo com efetividade”.
Voltando a realçar que a estratégia é "um documento em construção", Francisca Van Dunem notou que isso "não significa que não parta de escolhas e de opções", apontando "equilíbrios nem sempre fáceis de alcançar" face às matérias abrangidas pelo documento.
No final, será cumprido “o dever de fazer escolhas, como se impõe a quem governa”, assegurou, mas a intenção foi fazê-lo “de forma participada, inclusiva e o mais informada possível, numa matéria de tão grande sensibilidade e relevância social”, referiu a Ministra da Justiça.
Prevenção e repressão
A ENCC aborda, como indispensáveis na área da prevenção, vários objetivos, em que se incluem a melhoria das práticas institucionais em matéria de transparência e probidade, desde logo, no plano legislativo, e a exigência de mecanismos de identificação de riscos de corrupção na Administração do Estado e de respostas para a sua mitigação ou erradicação.
Neste capítulo “é importante gerar sinergias e estabelecer um sistema de articulação permanente entre as organizações públicas e privadas que lidam com o fenómeno, num pacto de colaboração e de respeito mútuo”, referiu a Ministra da Justiça durante a sua intervenção.
Uma outra questão crítica é a existência de informação qualitativa e quantitativa fiável. A ENCC enfatiza, por isso, a indispensabilidade de tratamento de dados, produção e divulgação periódica de informação sobre o fenómeno.
“A Estratégia identifica um conjunto de ações cuja realização dará concretização às prioridades e objetivos que elegeu. O que este momento nos traz de novo é uma proposta de trabalho ‘orquestrado’, de dinâmica de ação concertada e de atenuação da complexidade por redução da dispersão regulatória”
A ideia de criação de um regime geral de prevenção da corrupção tem, além disso, o mérito de aglutinar num diploma único legislação hoje dispersa, “facilitando a assimilação e aliviando os aplicadores de uma tarefa de pesquisa dispensável”.
Na dimensão repressiva o diagnóstico feito na ENCC aponta para aspetos como a necessidade de aproximação do início da investigação à data da ocorrência dos factos; a criação de condições que facilitem o esclarecimento do crime, considerando as suas características de opacidade e a existência de pactos de silêncio; a maior celeridade na tramitação processual; e a exigência de maior eficácia e capacidade dissuasora das sanções penais.
É em linha com essas preocupações que a Estratégia se propõe desenvolver o regime de proteção de denunciantes estabelecido na Diretiva Whistleblowers, “estendendo-o aos casos de corrupção”.
No mesmo sentido, prevê alterações ao regime de dispensa e atenuação da pena, propõe-se intervir nas normas do Código de Processo Penal relativas a conexão de processos e prevê a inscrição, no Código de Processo Penal, do instituto dos acordos sobre a pena aplicável ou o agravamento das sanções acessórias aplicáveis aos condenados por crimes de corrupção. “Estes temas foram claramente os mais referenciados nos contributos que recebemos”, destacou Francisca Van Dunem.
“Tomámos boa nota, coligimos e tratámos não só as comunicações que nos foram enviadas como também a opinião publicada sobre os temas abordados na Estratégia. Ouvi-los não constituiu mera formalidade”, garantiu a Ministra da Justiça no encerramento da conferência de balanço final da ENCC 2020/2024.
O texto da Estratégia vai agora ser revisitado pelo Conselho de Ministros, que ponderará os contributos apresentados, definindo os próximos passos ao nível da discussão e implementação institucional da ENCC e de eventuais propostas de alteração legislativa.
Veja o vídeo da sessão de encerramento da Conferência de balanço da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024: