O programa do XXII Governo Constitucional inscreve entre os seus objetivos fundamentais o combate ao fenómeno da corrupção, tornando a ação do Estado mais transparente e justa, promovendo a igualdade de tratamento entre os cidadãos e fomentando o crescimento económico.
O combate à corrupção é essencial para o reforço da qualidade da democracia e para a plena realização do Estado de Direito e deve ser realizado de forma holística e ponderada.
Considera-se fundamental, para uma boa estratégia de combate à corrupção, atuar a montante do fenómeno, prevenindo a existência de contextos geradores de práticas corruptivas.
Elegendo a prevenção como vetor essencial ao enfrentamento deste fenómeno, o Governo comprometeu-se, designadamente, a instituir um relatório nacional anticorrupção, a avaliar a permeabilidade das leis aos riscos de fraude, a diminuir as obscuridades legais e a carga burocrática, a obrigar as entidades administrativas a aderir a um código de conduta ou a adotar códigos de conduta próprios, a dotar algumas entidades administrativas de um departamento de controlo interno que assegure a transparência e imparcialidade dos procedimentos e decisões, a melhorar os processos de contratação pública, e a obrigar as médias e grandes empresas a disporem de planos de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas.
A realização dos objetivos e a satisfação dos compromissos assumidos pelo Governo, no seu programa, pressupõem uma atividade de conceção, planeamento e execução que requer a participação de diferentes entidades e profissionais, em mobilização de diversos saberes teóricos e práticos.
Neste contexto, considerou-se necessário criar, na dependência direta da Ministra da Justiça, um grupo de trabalho para a definição de uma estratégia anticorrupção nacional, global e integrada, que compreendesse os momentos da prevenção, da deteção e da repressão do fenómeno corruptivo.
Tal grupo de trabalho, dirigido por uma académica e integrando magistrados, investigadores da Polícia Judiciária (PJ), representantes do Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), o Inspetor-Geral dos Serviços de Justiça e técnicos do Ministério da Justiça (do Gabinete Ministerial e da Direção-Geral de Política de Justiça), foi criado por despacho dos membros do Governo das áreas das finanças e da justiça, de 21 de fevereiro de 2020, tendo apresentado o resultado da sua atividade em 17 de julho de 2020.
No processo de elaboração da estratégia, foram ouvidos representantes da Ordem dos Advogados, da Ordem dos Notários, da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, da Associação Transparência e Integridade, do Fórum Penal e do Observatório de Economia e Gestão da Fraude.
Alguns dos contributos prestados durante estas audições foram integrados no documento final da estratégia apresentado à Ministra da Justiça pelo grupo de trabalho.
A partir do documento apresentado pelo grupo de trabalho, foi elaborada, pelo Ministério da Justiça, a versão inicial da Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 (Estratégia), aprovada em Conselho de Ministros a 3 de setembro de 2020. Seguiu-se um período de consulta pública.
Seguiu-se um período de consulta pública que terminou no dia 20 de outubro de 2020.
O cuidado em abrir o debate a vários especialistas, associações profissionais e público em geral teve por base a ideia de que os níveis de corrupção só podem descer se se atuar ao nível da prevenção, deteção e repressão destes comportamentos, envolvendo e comprometendo toda a sociedade, através das suas instituições, organizações públicas e privadas e cidadãos.
Findo o prazo estabelecido para a entrega de contributos, foi possível verificar, numa verdadeira demonstração de preocupação e comprometimento cívicos – que, por si só, justificou plenamente a opção de submeter o documento a escrutínio público –, a participação interessada, ponderada e dedicada de diversos cidadãos e organizações, concretizada através da plataforma ConsultaLEX, da imprensa ou diretamente junto do Ministério da Justiça.
Foram submetidas reflexões e contributos por associações e grupos de magistrados e advogados, por associações cívicas, empresariais e ordens profissionais, destacando-se a Ordem dos Psicólogos Portugueses, a Ordem dos Advogados, a Associação Transparência e Integridade, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), a Associação Empresarial de Portugal (AEP) e a Delegação Nacional Portuguesa da Câmara de Comércio Internacional, e ainda por académicos, magistrados, jornalistas e cidadãos em nome individual. A ENAC esteve também no centro de debates e conferências.
A Estratégia Nacional Anticorrupção foi publicada em Diário da República, em anexo à Resolução de Conselho de Ministros, que a aprovou no dia 18 de março de 2021.
As propostas de lei destinadas a pôr em prática a Estratégia Nacional Anticorrupção foram debatidas no Parlamento em junho seguinte e aprovadas, posteriormente, em novembro do mesmo ano.
A legislação aprovada resultou de um texto de substituição à proposta inicial, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Entre o conjunto de diplomas preparado, inicialmente, pelo Governo esteve:
A Proposta de Lei n.º 90/XIV, que previa um conjunto de alterações ao Código Penal, Código de Processo Penal e legislação conexa, com o objetivo de reforçar o quadro repressivo da corrupção e criminalidade conexa.
O Parlamento acolheu muitas das soluções constantes da Proposta de Lei do Governo, nomeadamente:
-
a possibilidade de atenuar a pena a pessoas coletivas que tenham implementado programas de cumprimento normativo;
-
a obrigação de dispensar a pena aos agentes do crime de recebimento ou oferta indevidos de vantagem e de corrupção passiva ou ativa que denunciem o crime às autoridades antes de iniciado o respetivo processo penal, desde que as vantagens sejam restituídas, repudiadas ou retiradas e, nos casos de corrupção para prática de ato ilícito, este ato não tenha sido praticado;
-
a responsabilidade das pessoas coletivas pela prática de crimes de oferta indevida de vantagem e corrupção ativa face a titulares de cargos políticos;
-
a criação de uma pena acessória aplicável a titulares de cargos políticos e a gerentes e administradores de empresas que tenham praticado crimes de recebimento ou oferta indevidos de vantagem ou de corrupção, impedindo-os de exercer essas funções políticas ou empresariais por períodos de, respetivamente, 2 a 10 anos e 2 a 8 anos;
-
a revisão das molduras penais dos crimes previstos no Código das Sociedades Comerciais, que podem estar associados a esquemas corruptivos, e a criação do crime de apresentação de contas adulteradas ou fraudulentas;
-
a impossibilidade de conectar processos-crime caso a conexão coloque em risco o cumprimento dos prazos do inquérito ou da instrução ou possa retardar excessivamente a audiência de julgamento.
A Proposta de Lei n.º 91/XIV, que visou a transposição da Diretiva 2019/1937, referente à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União, e cujas soluções foram igualmente aprovadas pelo Parlamento.
De acordo com este regime, podem ser protegidas enquanto denunciantes as pessoas que denunciem ou divulguem publicamente uma infração relevante com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, desde que ajam de boa fé e tenham fundamento sério para crer que as informações são verdadeiras.
Consideram-se infrações relevantes, por exemplo, o recebimento e a oferta indevidos de vantagem, a corrupção ativa e passiva, seja no setor público, privado ou desportivo, o tráfico de influência, a participação económica em negócio, o peculato e o branqueamento.
Como forma de proteção acrescida, estabelece-se a proibição de praticar atos de retaliação contra o denunciante.
O conceito de atos de retaliação abrange os atos ou omissões que, direta ou indiretamente, ocorrendo em contexto profissional e motivados por uma denúncia interna, externa ou divulgação pública, causem ou possam causar ao denunciante, de modo injustificado, danos patrimoniais ou não patrimoniais.
Se, no espaço de dois anos após a apresentação de denúncia ou divulgação pública de uma infração relevante, houver, face ao denunciante:
-
alterações das condições de trabalho, tais como funções, horário, local de trabalho ou retribuição, não promoção do trabalhador ou incumprimento de deveres laborais;
-
suspensão de contrato de trabalho;
-
avaliação negativa de desempenho ou referência negativa para fins de emprego;
-
não conversão de um contrato de trabalho a termo num contrato sem termo, sempre que o denunciante tivesse expectativas legítimas nessa conversão;
-
não renovação de um contrato de trabalho a termo;
-
despedimento;
-
inclusão numa lista, com base em acordo à escala setorial, que possa levar à impossibilidade de, no futuro, o denunciante encontrar emprego no setor ou indústria em causa;
-
resolução de contrato de fornecimento ou de prestação de serviços; ou
-
revogação de ato ou resolução de contrato administrativo, conforme definidos nos termos do Código de Procedimento Administrativo;
presume-se que tal foi motivado pela apresentação dessa denúncia ou divulgação.
A sanção disciplinar aplicada ao denunciante até dois anos após a denúncia ou divulgação pública presume-se abusiva.
Os Decretos do Parlamento foram promulgados pelo Presidente da República no dia 9 de dezembro de 2021.
Consulte a ENAC na íntegra.