Contexto atual pede Justiça transformada e centrada nos cidadãos
Durante dois dias, a conferência e-Justice refletiu sobre as oportunidades e os desafios que se colocam no processo de transição para uma justiça digital na União Europeia e na importância de colocar os cidadãos no centro da transformação necessária dos sistemas de justiça.
Secretária de Estado da Justiça - Créditos: Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia
Entre 26 e 27 de abril, o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, foi palco virtual para a Conferência de Alto Nível e-Justice "Para uma justiça eletrónica centrada nas pessoas", organizada pelo Ministério da Justiça, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, reunindo perto de 2.000 participantes.
Ao longo de dois dias, cerca de 80 especialistas de vários quadrantes debateram o processo de transição para uma justiça digital na União Europeia, as oportunidades emergentes e os diferentes desafios que se colocam e a melhor forma de garantir o acesso de todos os cidadãos à Justiça, através de sistemas eficazes e modernos.
A conferência contou com a presença, ao mais alto nível, dos representantes do trio das presidências do Conselho da União Europeia e da Comissão Europeia na área da Justiça, com a Ministra da Justiça de Portugal, Francisca Van Dunem, o Comissário Europeu da Justiça, Didier Reynders, a Ministra da Justiça da Alemanha, Christine Lambrecht, e a Ministra da Justiça da Eslovénia, Lilijana Kozlovič, entre outros responsáveis políticos e representantes de organizações internacionais. O conjunto de reflexões resultante confirmou que a pandemia trouxe à superfície as componentes mais fraturantes das sociedades, como a dificuldade e a distância que muitos sentem no acesso à justiça. Por outro lado, é um dado assente que também fez com que a utilização da tecnologia passasse de um mero princípio a uma realidade demonstrada por soluções inovadoras e pelo desenho de novos serviços para cidadãos e empresas.
A conferência e-Justice foi o “corolário” da visão que colocou a justiça eletrónica entre as prioridades políticas para a área da Justiça na Presidência Portuguesa, alinhada com a importância conferida à transição digital pelo trio de presidências, da qual Portugal faz parte, e genericamente, assumida por todos os Estados-membros, referiu a Secretária de Estado da Justiça na sessão de encerramento, que também contou com a intervenção do Primeiro Ministro, António Costa, do Secretário de Estado da Justiça e da Defesa do Consumidor da Alemanha, Christian Kastrop, e do Secretário de Estado da Justiça da Eslovénia, Zlatko Ratej.
Para Anabela Pedroso o evento complementou o “trabalho para a promoção de uma cidadania digital esclarecida e abrangente, focada nas necessidades, direitos e proteção dos cidadãos e colocando as pessoas no centro da transformação digital necessária aos sistemas de justiça”.
Demonstrou igualmente que governos, organizações internacionais, academia, empresas e sociedade civil estão empenhados numa Europa resiliente e capaz de responder ao desígnio que é uma justiça acessível a todos. “Uma justiça capaz de resolver questões, mas que não seja distante e usando a tecnologia como o motor desse processo”.
“Numa frase, como disseram muitos dos oradores, ‘necessitamos de uma Justiça transformada e centrada nos cidadãos’”, sublinhou a Secretária de Estado da Justiça
No contexto económico e social que atravessamos, torna-se relevante a questão de como podem os sistemas de justiça ser transformados para apoiar a recuperação económica, restringir as desigualdades e, ainda, fortalecer a confiança entre as pessoas e os seus governos, acrescentou Anabela Pedroso.
A digitalização não está apenas a mudar a forma como os tribunais e os escritórios de advocacia funcionam, lembrou o Secretário de Estado da Justiça e da Defesa do Consumidor da Alemanha durante a sessão de enceramento da conferência e-Justice.
“O impacto da digitalização é muito maior: afeta todas as áreas da sociedade”, referiu Christian Kastrop
O facto de, neste processo, vários atores terem reconhecido o potencial do mercado dos serviços jurídico, trouxe novas oportunidades para os consumidores, mas também novos riscos. “Devemos, portanto, monitorizar este processo”, alertou.
Inovação acelerou: transformação da justiça também tem de acelerar
A COVID-19 veio colocar sérios desafios ao funcionamento da justiça, mostrando as fragilidades dos sistemas tecnologicamente menos desenvolvidos, mas confirmou a importância da tecnologia para assegurar o acesso ininterrupto à Justiça e a necessidade de reforçar a sua robustez e resiliência, disse a Ministra da Justiça de Portugal, na abertura do primeiro dia da conferência e-Justice, considerando que nunca fez tanto sentido falar de digitalização e em aproveitar as possibilidades oferecidas pelas tecnologias inovadoras como agora.
O encontro virtual foi recheado da partilha de exemplos de como a inovação acelerou durante a pandemia e de como se projetaram e adaptaram tecnologias e serviços para atender às necessidades, mas será importante ter presente que não podemos deixar a visão de futuro ser ultrapassada pelo que é intrínseco à realidade presente, destacou a Secretária de Estado da Justiça.
“Como indicou o Conselheiro Cunha Rodrigues, os processos de justiça, grosso modo, foram desenhados há décadas, senão séculos, produto de um mundo que, em muito aspetos, é irreconhecível na população moderna e cujos fundamentos não evoluíram com a crescente consciência e compreensão da sociedade e das diferenças entre as pessoas”, apontou Anabela Pedroso, “particularmente no que diz respeito à capacidade de acesso ao sistema de justiça”.
Zlatko Ratej, Secretário de Estado da Justiça da Eslovénia, ressalvou que foi percorrido um longo caminho na modernização dos sistemas judiciários dos diferentes Estados-membros, ao longo da última década.
“É justo dizer que testemunhámos uma mudança significativa de mentalidade”, afirmou Zlatko Ratej. “O Judiciário, antes considerado um dos sistemas mais rígidos de todos, conseguiu abraçar e desenvolver soluções tecnológicas para melhorar o acesso à justiça”
A Estratégia Europeia para a Justiça Eletrónica para 2019-2023 é uma base importante para a concretização da visão de serviços nacionais e transfronteiriços, mas é necessário fazer muito mais, na opinião da Secretária de Estado da Justiça, para tornar uma realidade o princípio do “digital por definição”, com o objetivo final de suprir uma necessidade, de fornecer informação clara e de ser um facilitador na relação dos cidadãos e empresas com a Justiça, respeitando o princípio “only once”.
“O digital significa mais do que digitalização, significa transformar processos, legislação, organizações e criar uma nova cultura de serviço público”, disse a Secretária de Estado da Justiça, remetendo para a intervenção de Maria Manuel Leitão Marques na conferência, algumas horas antes.
É um facto que avanço do digital trará novos desafios para a prestação de serviços das administrações públicas sendo que a resposta às necessidades das novas gerações é bem diferente das anteriores.
“O nosso objetivo é muito claro: promover sistemas de justiça mais resilientes, inovadores, céleres e eficientes, colocando as pessoas no centro da transformação digital, envolvendo todos os atores deste ecossistema nas diferentes dimensões da sua transformação, modernização e humanização”, referiu o Primeiro Ministro António Costa, na sessão de encerramento da conferência.
A utilização generalizada de tecnologias de suporte ao teletrabalho e à disponibilização de serviços por videoconferência impulsionada pela pandemia colocou-nos perante novas realidades que não regredirão, destacou Anabela Pedroso, mas que necessitam de ser endereçadas com rapidez e pragmatismo e igualmente com humanidade e respeito pelos direitos fundamentais.
Neste sentido, “nunca é demais reafirmar o comprometimento da Presidência Portuguesa em investir e promover a transformação digital da justiça, procurando intensificar e aprofundar soluções que vão ao encontro das necessidades dos cidadãos, rematou a Secretária de Estado da Justiça, assegurando que Portugal vai continuar a trabalhar em prol de sistemas de justiça “abertos, transparentes e responsáveis que protejam as pessoas - incluindo aquelas que enfrentam barreiras sistémicas”.